Foto: Gustavo Fisher (Arquivo Pessoal)
Procedimento de coleta direta de medula no Hospital Universitário de santa maria
Na novela Vale Tudo, o personagem Afonso vive a angústia de quem precisa encontrar um doador de medula óssea compatível. Fora da ficção, essa é a realidade de muitas pessoas que aguardam pela chance de um transplante que pode ser a única chance de cura. A boa notícia é que, ao contrário do que muitos pensam, tornar-se doador é simples, e pode mudar o futuro de quem espera na fila.
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De acordo com o médico hematologista Gustavo Brandão Fischer, responsável técnico do setor de transplante de medula óssea do Hospital Universitário de Santa Maria (Husm), para ser doador é preciso ter entre 18 e 35 anos, estar em bom estado de saúde e não apresentar doenças infecciosas ou hematológicas. Até agosto deste ano, a instituição já realizou 39 coletas e 25 transplantes de medula óssea.
O que é a medula óssea e quando o transplante é necessário

Fischer explica que a medula óssea funciona como uma verdadeira “fábrica do sangue”. Localizada no interior dos ossos longos e da bacia, ela é responsável pela produção diária das células sanguíneas:
— Ela está presente dentro de todos os ossos longos e da bacia. É o que o povo chama de "tutano do osso", aquela parte gelatinosa. Ali é produzido o sangue, todos nós temos. E todos os dias ocorre essa produção de células que saem do osso e vão para o sangue, circulando no nosso organismo.
Essas células, chamadas células-tronco hematopoéticas, são responsáveis por gerar glóbulos vermelhos, glóbulos brancos e plaquetas. O transplante, segundo Fischer, é indicado principalmente em casos de leucemias, linfomas e mieloma múltiplo, além de algumas doenças benignas mais raras. O procedimento pode ser realizado em crianças, jovens e adultos, com limite geralmente até os 60 ou 70 anos, já que envolve quimioterapia em altas doses.
Quem pode ser doador e como funciona o Redome
Para se cadastrar, é preciso ter entre 18 e 60 anos, estar saudável e sem histórico de doenças graves. O processo é simples: basta procurar um hemocentro, responder a um questionário e doar duas amostras de sangue. Esses tubos são encaminhados ao Registro Brasileiro de Doadores Voluntários de Medula Óssea (Redome), que armazena o perfil genético.
Caso seja identificada compatibilidade com um paciente em qualquer lugar do Brasil ou do mundo, o doador é contatado para a coleta.
Como funciona a doação
Existem duas formas principais de doar medula:
- Coleta pelo sangue periférico: mais comum e simples, semelhante a uma doação de sangue. Nesse caso, a pessoa vai ao banco de sangue, faz exames, e no dia da doação é puncionada nos dois braços. O sangue sai de um, passa por uma máquina que retira apenas as células necessárias, chamadas de células-tronco hematológicas, e o restante volta pelo outro braço.
- Coleta direta do osso: feita em bloco cirúrgico, sob anestesia, com perfuração do osso da bacia para retirar o líquido gelatinoso com as células-tronco.
Cada método é escolhido conforme a necessidade do paciente, mas a coleta pelo sangue periférico é a mais utilizada no mundo inteiro.
15 anos de espera e mais de 1,2 mil km percorridos para salvar uma vida

Exemplo disso é o técnico em radiologia Victor Alexandre Gimênez, 41 anos, de Campo Grande (MS). Há 15 anos, ele se cadastrou no Registro Brasileiro de Doadores Voluntários de Medula Óssea (Redome), sensibilizado pelo contato diário com crianças com câncer no hospital onde trabalha. Em janeiro deste ano, recebeu a ligação de que era compatível com um paciente em tratamento no Rio de Janeiro.
Desde então, Victor já esteve duas vezes em Santa Maria para exames preparatórios e, em agosto, realizou a coleta no Husm.
Husm em números
Coleta e transplante de medula
2023
- 24 transplantes realizados
- 33 coletas de medula para transplante autólogo, alogênico e haploidêntico
Destas, 5 foram de doadores cadastrados no Redome
Destino das coletas do Redome:
2 para os Estados Unidos, 1 para a Itália, 1 para a Argentina e1 para outro hospital no Brasil
2024
- 88 transplantes realizados
2025
- Pelo menos 25 transplantes e 39 coletas realizadas até agosto
O desafio
O Brasil conta com uma estrutura nacional para viabilizar esses transplantes: o Registro Brasileiro de Doadores Voluntários de Medula Óssea (Redome). Criado em 1993, o banco reúne atualmente cerca de 5,9 milhões de doadores cadastrados (dados de 2025) e atua em conjunto com 112 hemocentros espalhados por todos os estados.
Vinculado ao Ministério da Saúde e coordenado pelo Instituto Nacional de Câncer (Inca), o Redome é o terceiro maior banco de doadores voluntários do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e da Alemanha, e o maior entre os financiados exclusivamente com recursos públicos.
O número de cadastros quase dobrou nos últimos dez anos, aumentando as chances de compatibilidade. Hoje, a probabilidade de se encontrar um doador adequado dentro do sistema chega a 90%. O objetivo é justamente possibilitar transplantes entre pessoas que não têm parentesco. Em 2023, o Redome viabilizou 366 procedimentos de transplante no país.
No entanto, apesar do número expressivo de doadores cadastrados, Fischer alerta que o grande gargalo está na infraestrutura hospitalar.
— O problema do Brasil não é a falta de doadores. O problema mais sério é o número de hospitais que fazem transplante, que ainda é muito pequeno. Em um hospital que faz transplante de pessoas fora da família, como em Porto Alegre, há uma fila de quase um ano. Só que quem tem leucemia ou outra doença no sangue não pode esperar. A doença não espera, cresce rápido e o paciente pode morrer antes do transplante.
O Husm, segundo ele, conseguiu se tornar uma alternativa para pacientes do interior do Rio Grande do Sul, evitando que esperem longos períodos na Capital.
Seja um doador
Pré-requisitos básicos:
- Ter entre 18 e 60 anos (preferencialmente até 40, porque quanto mais jovem, melhor a qualidade da medula);
- Estar em bom estado de saúde;
- Não ter histórico de câncer ou doenças graves.
Passo a passo para se cadastrar:
- Procure o hemocentro mais próximo.
- Preencha o questionário de saúde.
- Doe uma pequena amostra de sangue (2 tubos).
- Os dados genéticos entram no Redome.
- Se houver compatibilidade, você será chamado para realizar a doação.